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Três parágrafos do capítulo 1

"Assim que botei o pé pra fora, ainda escondida por uma das pilastras de sustentação de casa, percebi o tamanho da loucura que eu estava fazendo. Casar já teria sido uma loucura. Eu nunca tinha tido certeza absoluta se queria mesmo casar, e lembro de uns dois ou três sonhos na adolescência em que eu caminhava até o altar e a sensação era a mesma de quando eu tinha que ficar muito tempo sem a minha mãe na infância – um vazio na boca do estômago. Um aperto. Um desconforto.

Mas aí a gente cresce, e os amigos casam, e os amigos arranjam empregos estáveis, e vocês saem pra jantar nos restaurantes caros, só os casais, e parece que é algum tipo de atestado de sanidade mental você viver em dupla. Power couples. Nós éramos um casal bem incrível. E eu amava muito mais o conforto desse nosso status social do que qualquer outra coisa. Ao lado do Lucas eu sabia exatamente onde era o meu lugar no mundo – no Rio. E foi isso, além da facilidade com a qual os nossos corpos se encaixavam, que me fez querer casar com ele.

Mas voltando: casar era uma loucura esperada e aclamada pelos meus pares. Vitória dizia o tempo todo que casar nos dias de hoje era um ato subversivo, que era quase heroico escolher ficar com uma pessoa só em tempos de amor livre e relacionamentos abertos. Eu continuava achando careta, mas era uma caretice que eu havia passado a desejar mais que tudo. Agora, adentrar a própria cerimônia de casamento, toda de branco, sem o noivo – essa era uma loucura de verdade, dessas que iriam me definir pra sempre. Foi nisso que eu pensei durante os cinco segundos que antecederam a minha entrada em cena naquele sábado ensolarado e quente de novembro. Vou ser pra sempre a louca que casou com a casa, pensei. E ri. Ri de novo o mesmo riso do dia em que disse pra minha mãe que ia fazer letras e não direito. Aquele riso de quem sabe que vai se foder, que vai se foder bonito, mas ao mesmo tempo de quem está cem por cento satisfeita com a escolha. Fiz um último carinho na parede – tenho esse lance de gostar de encostar em paredes, como se correr meus dedos por ali fosse correr os dedos pela história – e pisei na grama."

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