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Dinheiro e pica é pra gastar


O diário é o gênero literário perfeito pra 2016, né?

Pois. Em setembro de 2016 eu me sinto mais segura andando na São Clemente do que em Jardim da Penha. Me ocorre durante esse passeio que eu não consigo economizar em dias felizes. Ou talvez seja o próprio gastar que resulte em dias felizes. É um caso bem clássico de ovo/galinha, eu acho. E todo mundo tem vergonha desse assunto.

Dias felizes podem ou não ter data marcada. Muitos tem, e custam caro – vide réveillons, carnavais e aniversários – mas outros não, nem sempre. O que faz um dia feliz pra mim é meio subjetivo, mas quase sempre tem a ver com estar fora de casa, encadeando pequenos compromissos prazerosos, gastando uma graninha. Por exemplo aquele dia que começa com um passeio ao mercado ou à feira. Digo passeio e não ida ou visita porque não estamos falando de compras do mês ou daqueles onerosos produtos de limpeza que você esqueceu de comprar pro dia da faxina. Tô falando daqueles passeios, dia ensolarado, fone no ouvido, caixa de entrada do email razoavelmente sob controle e algum dinheiro na conta. Tô falando daquele passeio ao super em que você montou o menu antes e vai com uma listinha, sabendo que vai cozinhar uma parada foda mais tarde. Foi o que aconteceu hoje. Fui ao super com a minha listinha pra um jantar com as amigas, comprei uma água de coco no caminho, achei todos os ingredientes, depois adquiri uma jarra de sangria nova e um rolo de macarrão roxo, lindo. Sempre quis ter um rolo de macarrão. Voltei pra casa e trabalhei até um pouco depois da hora do almoço, depois peguei um 410 até Botafogo pra descolar um béqui com um díler novo. Marcamos num chaveiro e, quando avisei que tinha chegado, ele me mandou um áudio dizendo pra olhar por cima do ombro, pro lado esquerdo. Deu tchau de um segundo andar num predinho e mandou subir. Achei engenhoso – ele manja os clientes da janela e depois libera pra subir. Pediu pra tirar os sapatos, me apresentou os gatos e ofereceu um skank. Acho de bom tom aceitar quando o díler oferece, então fumamos, conversamos sobre festivais, combinamos de economizar com força pra ir ao Burning Man o quanto antes e eu parti com o meu pesinho. Tá ficando cara essa conta, né? Mas que privilégio andar a esmo chapada em Botafogo no meio da tarde, parando nas esquinas pra anotar ideias imperdíveis no celular. Comprei um suco de laranja com acerola, azedinho, tão bom. Foi aí que eu me dei conta de que não consigo economizar em dias assim. É porque é desses que eu vou lembrar. Os da Casa Qatar eu não lembro o que eu tava vestindo em nenhum deles. A única noite que se separa de uma sequência ininteligível de dias igualmente estressantes foi uma em que paramos num boteco do Jardim Oceânico pra beber umas e tinha uma menina na mesa ao lado que cantava muito bem e deu em cima de mim. Ou aquela outra em que fumamos um no telhado e depois fomos jogar conversa fora num boteco sujo ali na Rua da Passagem.

A gente lembra desses dias. Eu só lembro desses dias. Da música que tava tocando, da droga que eu tinha tomado. Porre de tequila ou onda de doce? Tomei banho de mangueira em casa vendo o sol nascer ou fomos pro Arpoador? Essas memórias sim têm cor, textura e taxa de aceleramento do batimento cardíaco. Pensem: tem dinheiro e entorpecentes envolvidos em todas as nossas melhores memórias. Até aquele mergulho de mar displicente de quinta-feira – não custou nada ali na hora, mas custa quanto?

As minhas memórias mais inesquecíveis custaram uma grana. Réveillons, natais, férias. Las Vegas, Disney, Leeds. Uma grana. Aquela primeira vez que eu fui sozinha numa boate. Que eu pedi pra comemorar meu aniversário de 12 anos num restaurante francês porque eu queria saber como era um restaurante francês por dentro. Que eu comprei um lança perfume e escondi dentro de um jogo de tabuleiro da minha infância. Aquela noite que a gente se pegou pela primeira vez foi caaaara – teve um jantar no Braz depois de um táxi lá do Porto, do Fashion Rio. A viagem pro Chile foi uma grana mas teve aquele dia perfeito nas vinícolas. Teve a viagem que eu fiz pra entender se eu queria terminar com você, e que foi tão linda e importante que virou um capítulo inteiro do livro que eu nunca vou terminar de escrever. Foi cara essa também, dessas de ter que parcelar a fatura do cartão de crédito depois. Mas pensa – eu esfreguei as mãos nas pedras de Pompeia.

Lembro bem do dia que você, com poucos meses de namoro, me introduziu à máxima "dinheiro e pica é pra gastar" e me fez ter certeza absoluta de que a gente era certo. Lembro de algumas vezes que você topou pedir uma garrafa de saquê às dez da noite de um dia de semana totalmente desimportante. Dinheiro e drogas, esses temas polêmicos – e a gente pensava igualzinho.

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