[SPOILERS, SPOILERS EVERYWHERE!]
Em meados de 2003, quando rolou o series finale de Dawson’s Creek, eu tinha 15 anos. Foi o meu primeiro series finale realmente importante, intenso. Buffy, 90210, ER – tudo isso eu assisti, mas não daquele jeito que a sensação que dá é a de que a sua vida está irremediavelmente e eternamente vinculada às das Joeys, Rorys e Carries da ficção.
Nessa época eu namorava um rapaz bonzinho, porém playboy, que estava na faculdade e estudava no turno da noite. Era semana de provas finais dele e, como ele iria sair mais cedo todos os dias, perguntou se podia passar lá em casa pra me dar um beijo sempre que acabasse uma prova (oh to be young and in love). Eu disse que sim, menos na quinta, porque quinta era series finale de Dawson’s Creek e eu iria passar a noite tomando coca-cola e chorando copiosamente. Ele protestou, mas concordou.
Chega quinta-feira e a criatura me liga, vozinha de bebê, implorando pra passar lá em casa. Jurando que não abriria a boca, que sentaria no cantinho do sofá sem me beijar, apenas pra poder participar daquele ritual comigo. Cedi. E assim, enquanto a Jen morria, o Jack assumia a criança, a Joey fazia a escolha certa e o Dawson virava bróder do Spielberg, eu desaguava e ele me fazia cafuné, desentendido e um pouco confuso. Ao final, quando minha mãe passou pela sala de TV pra dar aquele confere, ele brincou: “Tia-sogra, qui qui a gente faz com essa menina? Olha esse estado! Não sei o que eu faço não!”. Eu o mandei embora pra ficar ouvindo música e chorando um pouco mais.
Tudo isso pra dizer que series finales are serious business. Friends, Lost, Mad Men, The O.C. Onde você estava? Com quem você estava? O quanto doía ou o quanto se desenrolava a sua vida? Em 2007, nesse que agora podemos chamar de primeiro series finale de Gimore Girls, eu era invencível. Morava sozinha no Rio, namorava um grande amor, estava cursando letras e adorando e ainda tinha passado pro intercâmbio dos meus sonhos, na Inglaterra. Assisti sozinha, chorei e achei correto, inteiro, bonito. Que bom que consertaram tudo entre a Lorelai e o Luke depois de uma temporada realmente estranha (mas não tão ruim quanto alguns tentam pintar), e que bom que a Rory tinha feito a independente, apesar do Logan ser ótimo.
Agora em 2016 foi a vez da minha mãe assistir a um primeiro series finale. Tardio, sabemos, mas as coisas são como as coisas são. Ela passou uma vida esnobando essa e praticamente todas as outras a séries americanas, e eis que no ano passado, motivada por uma crise minha e alguns textos que andei publicando, resolveu dar uma chance e investigar, imagino que pra ver se finalmente me entendia. Pra ver se entendia a gente.
Foi intenso, to say the least. Eu sofrendo pra rejeitar a ideia de perfeição que a Rory instaurou em mim, tomando aquele couro de saturno retornando, me esforçando pra cortar mais um pedacinho do cordão umbilical que nos une e enquanto isso ela lá, mandando whatsapps tarde da noite pra dizer que tinha se emocionado com cena X, que era a gente mesmo, que estava tendo insights valiosos. As coisas realmente acontecem quando as coisas acontecem.
Marcamos essa visita ao Rio por causa do revival. Foi calculado. Assistimos aos dois primeiros episódios na sexta de noite, com direito a rituais. Pizza e porcarias e amigas e drinking game. Como se soubéssemos que a história iria ficando mais séria e mais sofrida aos poucos, deixamos os dois últimos para o sábado. Quando sugeri que déssemos o play no “verão”, ainda de pijamas e com uma pizza requentada na mão para o café da manhã, ela me olhou com a cara de espanto e empolgação de quem com certeza nunca tinha passado um final de semana inteiro sem sair de casa, desgrenhada, binge watching alguma série. As coisas acontecem quanto as coisas acontecem e há uma primeira vez pra tudo.
Entra Jess e a ideia que só ele poderia ter. Escreve sobre você e a sua mãe. Write what you know, a Rory lembra depois. É só o que a gente pode fazer mesmo. No sentido literal e figurado, como eu já disse em outros carnavais. Ay! Daí pra frente foi ladeira abaixo. Abri um pacote de Lays antes do almoço, que sacrilégio, e tocamos pro Outono.
Que piada/metáfora inesquecível essa com Wild. Book or movie? To rindo até o ano que vem. Por coincidência, eu havia visto só o filme e mamãe apenas lera o livro. Logo em seguida o Jess repete a pergunta em outro estado, na conversa com o Luke, o que pra mim é a cereja do bolo dessa sequência. Esses personagens se conhecem tão bem. Tem o telefonema da Lorelai pra Emily, que fecha um ciclo de um jeito tão lindo. E aí a sequência que pra mim só perde para – na real empata com – a final. A aparição da Life and Death Brigade ao som de “With a little help from my friends” versão Across the Universe. As pessoas esquecem que o Logan é amigo da Rory. Esquecem que durante boa parte de Yale e possivelmente depois ela andava com eles, gostem vocês ou não do que essa galera representa. Tenho a sensação de que muita gente gostaria que a Rory não curtisse tanto a parte glamourosa de ser uma Gilmore. Que rejeitar o berço faria dela uma pessoa melhor. Enfim.
A cena é linda, engraçada e emocionante do início ao fim. Estabelece que o relacionamento deles não é uma aventura momentânea, mas que seguiu existindo e sendo redefinido e debatido ao longo de todos os anos em que estivemos e continuaremos no escuro sobre essa relação. E, na boa, não acho que caiba a ninguém julgar. Sou vênus em aquário e então pra mim é fácil entender infidelidade. Odeio a palavra, mas entendo. Todos os relacionamentos são abertos em essência, e se existe um desejo por outra pessoa – eu acho – é porque a história devia seguir esse caminho para se reconfigurar depois, ou para permanecer igual mediante reflexão. Minha opinião. E ainda temos aquela despedida final com o chapéu, a ajeitadinha de cabelo, a foto imaginária pra eternizar um grande amor. A foto do dia da concepção, se você acredita que o filho é dele. Amy-Sherman, sua safada! Eu sou Team Jess, não mexe assim com os meus sentimentos...
Quando a Rory entra na casa dos avós para escrever o livro, eu e mamãe cruzamos olhares nervosos pela enésima vez – estava começando a ficar bizarro o nível de semelhança. Não faz muito tempo era eu lá me curando de um break down enquanto escrevia um romance exageradamente autoficional na casa de praia dos meus avós. Deve ser coisa de pobre menina rica mesmo. Seguramos a onda, trocamos de posição, respiramos fundo.
Sabíamos que faltava pouco quando começaram os preparativos reais/oficiais para o casamento. E aí mais uma sequência musical. Now that I’ve worn out, I’ve worn out the world. Amy Sherman, me dá um abraço? Transformar esse revival num semi-musical foi a melhor ideia que essa mulher cheia de melhores ideias já teve. Se for pra voltar, que volte mais audacioso. Ouvi reclamações de que ficou brega. Gente, quando que não foi brega? Quando que não foi over the top? Quando que não foi alegórico e excessivamente ficção? Qual o compromisso com a realidade de uma série que tem o Kirk? Acorda, Braseeel! Ou dorme. Dorme que é pra entrar no clima de sonho e delírio de Gilmore. Mas não espera realidade demais não. Já foi sensacional que o revival tenha sido construído em torno dessa narrativa de sucesso/fracasso millenial. Quer mais realidade que isso?
Bom, voltemos à sequência final. Amy, miga, cadê o Jess? Não vai ter Jess? Como fomos enganadas tão direitinho? It was always about Lorelai, right? Ôpa, não, péra – vai rolar o papo sobre os caras da Rory. It has to fiiiiit. Ay senhooooor! E aí uma última rasteira antes da grande rasteira. Enquanto eu e mamãe inspecionávamos as lágrimas uma da outra de canto de olho, a frase que eu já escrevi e repeti tantas vezes sai da boca da Rory.
Eu quero lembrar de tudo. Cada detalhe.
Bicho, na moral. Depois disso as quatro palavras finais foram só a última pá de cal no nosso caixão de identificação e desespero. Enquanto eu semi-desmaiava porque ninguém sabe mas o final do meu segundo romance, mesmo eu não tendo publicado nem o primeiro, é uma versão dessa cena, minha mãe sofria de sua primeira crise de ansiedade pós series finale e andava pela casa dizendo que estava se sentindo estranha. As duas atônitas.
Puxei pela memória o diálogo, escrito num arquivo de word cuidadosamente guardado e intitulado “pro final do segundo”:
Ela é nossa, mãe. Aurora. Minha e sua.
A descarga emocional foi tamanha que só foi possível uma dupla retirada para o banho, seguida de uma longa caminhada e um almoço no qual só falamos dos outros. O resto cada uma resolve com a sua analista.
No mais, um alento para millenials semi-fracassados como eu. A idade limite para publicação do primeiro livro foi redefinida. Eu havia instituído 28, por motivos de Murakami. Agora é 32, por motivos de Rory Gilmore. Um respiro.