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Todo poder à palavra


“Formei-me em letras e na bebida busco esquecer.” Começa assim o simpático romance policial Os espiões, do Veríssimo. Lembro de ter tido um ataque de riso quando li, naquela vibe risos/choros que quem me conhece tá cansado de ouvir. Formar-se em letras é risos/choros desde antes da faculdade começar. É ouvir “mas você vai ser professora?” e “ué, então pesquisadora?” pelo menos uma vez por semana. Ou aquele outro clássico “Mas o mercado editorial é tão restrito, né?” É. Ou era. Porque amigos, o mundo dá voltas. E, nessa última, #jahbless, conteúdo e storytelling se transformaram nas palavrinhas da vez das reuniões de pauta.

Nada que eu não soubesse desde sempre, mas é bonito ver o mundo acompanhando. Escrever bem é poder. Saber dizer as coisas exatamente como você quer dizer é pra muito poucos; saber traduzir o que está na cabeça dos outros e nem eles sabem direito como querem dizer é prum grupo ainda mais seleto. E, embora jornalistas e publicitários também estudem o ofício, é lá nas letras que a gente mergulha fundo na estrutura da língua. É lá que a gente passa quatro (ou cinco ou seis, risos/choros) anos lendo a aprendendo não só a desenvolver um estilo próprio, mas também a reproduzir bem estilos e gêneros.

Não é nem o caso de criar uma #competição aqui, não sou dessas. Aliás, este texto não é nem sobre isso – sobre o profissional de letras na contemporaneidade. Quer dizer, é também. Mas é sobretudo sobre mim, claro – sempre sobre mim. É sobre o fato de eu ter celebrado meu primeiro casamento “valendo” há algumas semanas, e sobre o espanto de muitas pessoas quando me ouvem falar da minha vida profissional.

Exemplo: a semana que culminou com esse casamento, começou com uma tradução pra legendagem (de um roteiro que eu mesmo havia escrito semanas antes), passou por uma entrega de conteúdo para o site de um escritório de advocacia e por um post para o blog de uma marca de roupas, e enfim terminou com um microfone na mão e um casal de noivos emocionados na minha frente. É louco, eu sei, mas é o que eu digo quando me fazem a tal pergunta: cê faz o quê?

Eu escrevo. Mas escreve o quê? O que você quiser. Com clareza, criatividade, precisão, emoção e o que mais a tarefa do momento pedir. O resto é truque que a gente aprende fazendo.

Desde que eu fugi da carreira acadêmica e do famigerado mercado editorial (nada contra, tenho até amigos que são), em 2014, a montanha russa foi intensa. Entrei na vida de frila meio que sem planejar, até porque quem é dessa área tá sempre frilando, mesmo quando tá empregado. Só que eu era teimosa and medrosa. Queria fazer só o que achava que fazia muito bem: traduzir, revisar, escrever sobre literatura.

Até que em 2015 eu me descobri naufragada ao mesmo tempo em jobs e em boletos, o que não fazia o menor sentido. Se havia muito trabalho, as contas tinham que estar fechando. Só que não estavam. Eu não sabia cobrar, não sabia precificar e não sabia ousar, buscar coisas que realmente me desafiassem e me dessem mais retorno.

Aos trancos e barrancos, e com empurrões certeiros e necessários de muitos amigos, eu fui abrindo o leque. Entendendo que criar histórias pra marcas era quase que exatamente como fazer ficção, que ser tradutora/bilíngue num mundo onde tudo precisa ser criado já em duas línguas era uma puta diferencial e, finalmente, que ouvir e transformar em celebração as histórias de amor de noivos era o job mais legal do mundo.

Porque gente, pensa nessa reunião: você, um casal, um jantar tranquilo, um gravador. “Me conta aí a história de vocês, do zero.” E aí você ouve. E aí ela é sua. E aí você dá um jeito de criar um fio condutor, de incorporar um ou outro ritual que faça sentido pra essas pessoas. E aí você casa essas pessoas. Pelo poder investido em você por eles. Pelo amor. Pela força da palavra.

Discurso é vida, migos. A palavra constrói e a palavra destrói. Casar pessoas é de uma potência e de um poder que eu meio que tinha esquecido que eu tinha, mas que está aqui, ainda bem. Eu escrevo, e isso basta. Me emociona um tanto, porque por muito tempo eu sabia que tinha acertado em cheio na escolha da faculdade, mas não sabia nem mais ou menos o que fazer com isso, com TUDO ISSO que eu tinha aprendido ao longo de oito lindos e deliciosos anos de graduação e mestrado.

Fica a dica pra quem está à deriva: escolhe no amor, escolhe o que você gosta, a carreira é uma sucessão de coincidências e buscas. Vale aqui também aquele grande and fofinho clichê: quando foi a última vez que você fez alguma coisa pela primeira vez? Se não rola um medinho ou uma oportunidade de aprendizado há algum tempo, talvez você esteja precisando arriscar mais. Por aqui deu certo, por isso compartilho.

No mais, start spreading the news: casei meu primeiro casal de desconhecidos (que obviamente agora já é um casal de amigos) e foi a coisa mais maneira que eu fiz nos últimos anos. Dizque eu levo jeito 😉

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