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Tudo aquilo que eu queria te dizer sobre “Me chame pelo seu nome”


Existe um cheiro. Um cheiro raro aqui no Rio e muito comum na Aldeia, onde fica a casa de praia da minha família, no Espírito Santo. É cheiro de mato com praia naquela última gotinha de sol – que eu chamaria de crepúsculo se o drama teen não tivesse estragado a palavra pra sempre. Para que o cheiro seja exato, precisa uma cigarra estar cantando ao fundo e o meu cabelo estar molhado.

É o cheiro que eu penso que tem a vila no norte da Itália onde se passa “Me chame pelo seu nome”. É o cheiro de todas as minhas primeiras vezes e é o cheiro que eu sei que vai atormentar o personagem do Elio pro resto da vida dele. Hoje eu senti esse cheiro e foi o que finalmente me convenceu a escrever sobre o filme.

Isso porque, como todo ser humano ligeiramente egocêntrico, eu me enfureço quando gosto muito de alguma coisa e essa coisa não é unanimidade. O filme me arrebatou, o livro então nem se fala, e aí eu ouço comentários do tipo “nossa, que linda história de amor, mas nada além disso” e sinto vontade de esfregar a cabeça da pessoa no muro de pedra da casa na Aldeia.

“Me chame pelo seu nome” é tão, tão mais que uma belíssima história de *primeiro* amor. Com o *primeiro* assim em destaque porque é uma história sobre primeiras vezes – pro Elio, não pro Oliver. A primeira trepada, o primeiro amor, o primeiro beijo depois de uma bela vomitada. O Oliver certamente já tinha vivido tudo isso, e é tão sutil e carinhosa a maneira como ele vai tentando de certa forma avisar e acalmar o Elio. Aquele boquete inusitado pela manhã, numa vibe “ó, relaxa, sexo também pode ser leve”.

Só que tem outro detalhe: “Me chame pelo seu nome” é um filme sobre primeiras vezes, ok, mas também é um filme sobre finais – sobre um final, na verdade – o da adolescência. É uma das histórias mais lindas de perda de inocência que eu já vi/li, e isso pouco tem a ver com os cabaços todos perdidos ao longo da trama. É que não se pode ter verões de três meses na praia pra sempre. Não se vive esses verões sem absolutamente nenhuma preocupação que não seja “quem vai ser meu crush este ano?” pra sempre. E é aí que a história me arrasa, muito possivelmente porque eu tive essa experiência toda.

Eu ouço “Visions of Gideon”, a música do Sufjan Stevens que toca na desestabilizadora cena final do filme, e não penso só na impossibilidade do primeiro amor durar pra sempre. Penso no poema da Cecília Meirelles (“Tenho fases, como a Lua”) que a minha mãe escreveu num pedacinho de papel e me entregou quando eu finalmente resolvi deixar partir esse primeiro amor. Penso no meu avô, que construiu a casa onde eu vivi todos esses longos, lânguidos e perfeitos verões, e em como ele partiu cedo demais. Penso que a casa pode ser vendida a qualquer momento e em como isso já até deixou de ser tabu pra mim, o que talvez doa ainda mais.

Acho engraçado que quando ele canta “I have touched you for the last time”, me vêm à mente todos os últimos toques em todos os amores que já não são mais, mas também uma imagem inventada do meu último dia na casa. O último mergulho na piscina, a última lua vista da grama às duas da manhã, o último roçar de dedos na parede gelada de pedra, uma outra família ocupando aquele espaço tão intimamente meu.

O Elio sabe: o grande drama das primeiras vezes é que elas são também as últimas vezes em que você estará sentindo aquilo pela primeira vez. A eterna tragédia do tempo linear.

Mas vai ficar tudo bem, porque agora eu olho pra imponente porta de madeira da minha casa no Rio e sei que a casa da Aldeia sobrevive nela. Perder a casa não significa perder a memória da casa. A história vai andando pra trás e tudo segue conectado num fio único e indestrutível. Minha casa segue cheia de amigos como sempre esteve cheia de amigos a casa de meu avô. Tudo sobrevive através de mim, nas paredes desta casa e de todas as que existirem daqui pra frente.

E aí que ok, que belo filme sobre um primeiro amor. Mas por que é que o diálogo que ninguém esquece é aquele do Elio com seu pai, no finalzinho? Por que, se a gente fecha os olhos, consegue desenhar aquela casa daquela vila no norte da Itália com a precisão de um arquiteto? Por que essa sensação de que sabemos o caminho da vila até o centrinho da cidade, e do bar até a estátua onde o Elio finalmente resolve que é melhor falar do que morrer?

É porque “Me chame pelo seu nome” é muito mais que um filme sobre um primeiro amor, amigos. E é por isso que é lindo. E é por isso que fica.

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