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Parar de tomar pílula foi a coisa mais difícil que eu já fiz - e não deu certo pra mim


Estou pra escrever este texto há tanto tempo, e já pensei em tantas formas de começá-lo, que não seria justo abrir com nenhuma das frases de efeito que já planejei ao longo dos últimos meses. A verdade é que eu finalmente consegui parar de tomar pílula em setembro de 2016, depois de uma primeira tentativa frustrada em 2015, e tenho a sensação de que tudo, absolutamente tudo que vivi nesses últimos anos foi de alguma forma balizado pela experiência de tentar viver sem hormônios.

Ontem eu finalmente tirei o DIU de cobre, colocado em junho de 2017, e escrevo já sob o efeito de uma cartela quase inteira de Yasmin, a mesma pilula que tomei dos 15 aos 29 anos. Esta é a história de como eu fui lá e voltei, já que aparentemente todas as minhas amigas querem saber, e também porque eu sinto que me devo satisfações.

Eu comecei a pensar em parar de tomar pílula em 2015, por incentivo da internet e desse nicho mais “natural” da quarta onda do feminismo - que prega a nossa reconexão com o corpo e a nossa ancestralidade. Acho de verdade que o empoderamento feminino deve passar pelo entendimento de que o nosso corpo foi criado pela natureza e funciona em perfeita harmonia e sincronia com ela, e que aprender a escutá-lo e a respeitar seus ciclos é uma das coisas mais importantes que podemos fazer hoje, inseridas num contexto de aniquilação do mundo que nos abriga. Isso não quer dizer, no entanto, que toda mulher deva obrigatoriamente passar por isso, ou que pra ser mulher é obrigatório passar por isso, até porque nem toda mulher tem útero, e nem toda pessoa que tem útero se identifica como mulher - apenas que eu acho importante, pra quem é mulher cis, testar - principalmente para aquelas que começaram a tomar hormônios cedo e nunca pararam. Se eu me senti coagida a largar a pílula pelo movimento? Não. Digamos que me senti compelida, como se não combinasse com a minha postura feminista seguir tomando hormônios.

Lendo sobre o assunto - e eu li em tudo quanto é lugar, de jornais científicos a posts e mais posts em grupos de Facebook dedicados ao assunto - tomei minha decisão e me preparei pro tal efeito rebote, que é o que (geralmente, comumente) acontece quando uma mulher que tomou pílula por muitos anos para de tomar. No meu caso foram 14 anos tomando, então vocês imaginem o tamanho do drama.

Mas, antes de entrar em detalhes sobre essa fase do processo, um pequeno adendo sobre o porquê de eu ter começado aos 15 e nunca mais ter parado. Meu gineco sempre foi um senhorzinho simpático de Vitória, o mesmo que cuidava de todas as mulheres da minha família. Aos 15 anos, quando informei minha mãe de que estava pensando em perder a virgindade, fomos lá conversar. Nessa época eu já reclamava de estar “sempre menstruada”, já que meu ciclo era curto (24 dias) e minhas menstruações longas (6, 7 dias sangrando). Ele disse que a pílula ia me regular e proteger contra a gravidez indesejada, então foi isso. Naquela época não se falava de riscos. Minha mãe que me disse que muita gente não se dava com pílula, que ela mesmo nunca tinha se acostumado, então me alertou pra prestar atenção aos sintomas. Só que não tive nenhum. Quer dizer - meus peitos cresceram um pouco, o que eu curti, e meu quadril alargou um pouco, o que não curti, mas tudo bem. Nunca repensei, nunca olhei pra trás. Até a quarta onda.

Ainda no ensino médio, eu sempre desconfiava das meninas que passavam mal de cólica, que não conseguiam fazer educação física, que faltavam aula, que desmaiavam. Eu não sentia nada. TPM? Nossa, nunca nem vi. Eu fui a perfeita cool girl durante toda a minha juventude. Nunca estava menstruada em viagens, porque era só emendar a pílula. Nunca brigava à toa com o namorado, porque meu humor estava sempre controlado. E a palavra chave aqui é essa - controle. A pílula, pra mim, e eu só sei disso hoje, depois de ter parado e voltado, é sinônimo de controle - pro bem e pro mal.

Quando parei, estava curiosa - ávida - por descobrir como era a Luiza “de verdade”, sem hormônios. Como seria a minha libido, como ficaria o meu corpo. E, olha - mesmo me sentindo preparada, eu estava zero pronta pro que estava por vir.

Não demorou nem 2 meses pra minha pele e meu cabelo irem pro brejo completamente. Eu, que já tinha sofrido com queda de cabelo por outro motivo, tive que reviver o terror de perder chumaços e mais chumaços, mesmo sabendo que dessa vez seria passageiro, que tinha uma explicação científica pra isso, e que eu estava tomando todos os suplementos certos. Eu estava preparada pra me sentir feia, mas foi bem pior do que eu imaginava. Cabelo ralo e oleoso, espinhas, vários banhos por dia, e do nada 5 quilos a mais. Muitas minas acham que vão desinchar quando param a pílula, mas tem um porém - se você, como eu, tomava uma dessas pílulas caras e modernas que ajudam com a acne, chances são de que essa pílula continha também algum diurético, e aí sem ele você incha em vez de desinchar. Outra coisa impressionante e até meio engraçada foi que eu passei a ter cheiro. Sim, cheiro. Suor. Cecê (é assim que escreve?). Enfim. Meu corpo controlado por hormônios não fede. Uma baita metáfora.

Só não desisti nesses primeiros 6 meses de caos hormonal porque eu sabia que ia acontecer, porque estava namorando um cara legal e porque entrava toda semana num grupo do Facebook chamado “contracepção não hormonal” (recomendo) pra ler relatos parecidos com o meu. Acontecia igual com quase todo mundo, e depois equilibrava, então ia equilibrar pra mim também.

Agora, nem todas as mudanças foram ruins, e nem todas externas. No âmbito do humor, o início foi impactante pro bem. Do nada eu me senti mais alerta, menos boazinha, passei a engolir menos sapos. Quando batia, a minha libido era diferente e melhor do que tudo que eu já tinha sentido na vida. Em muito pouco tempo eu já conseguia dizer com precisão quais eram os dias em que estava ovulando. Nesses dias, era como se eu tivesse super poderes. Nesses dias eu também queria trepar com todo mundo. Pode muito bem ser, inclusive, que o desejo de abrir o relacionamento que eu tinha na época tenha nascido aí - só fui me ligar bem depois.

Segue o baile, até que um dia eu estava me sentindo mal e escrevi num grupo de amigas que estava exasperada, irritada, que tinha passado o dia inteiro tentando trabalhar e não conseguindo, um aperto no peito, uma sensação de crise de ansiedade sem razão nenhuma… “você não tá de TPM?”, uma delas perguntou. Abri o app. Uma semana pra menstruar. Caralho, então é isso. Que onda errada, que bad trip. Na hora, pensei que a consciência de que era TPM fosse me ajudar a lidar com as sensações todas, mas a verdade é que ajudou muito pouco.

Voltei pras leituras. Ouvi todos os conselhos. Fiz mandala lunar, tomei todos todos todos os remedinhos naturais que me receitaram - caríssimos, aliás. Passei a não marcar reuniões nos piores dias da TPM. Fiz de um tudo. Quando esse esquema funcionava direitinho, dava tudo certo. Mas, em meses mais corridos, ele desandava e eu sofria demais. No final do primeiro ano sem pílula, eu tinha conseguido dar jeito no cabelo e nas espinhas, o sobrepeso estava começando a ir embora, mas eu não parava de reclamar da TPM.

Como já estava me consultando com uma médica aqui no Rio, mas sentia que ela não me conhecia o suficiente pra dar atenção ao meu sofrimento, liguei pro meu gineco capixaba. Ele pediu vários exames, avaliou tudo, disse que não tinha nada de errado do ponto de vista hormonal, que podia me passar mais umas vitaminas e fitoterápicos (haaaja dinheiro), mas que “pra esse tipo de TPM que você tá tendo, muita gente toma antidepressivo”. Eu gargalhei. Deus me livre, Luís, que extremo! Nããão; vou voltar a malhar bastante, vou tomar os fitoterápicos e vou ficar bem. Eu faço análise há 5 anos, né. A analista estava comigo - “você não precisa de antidepressivos”. Ok.

Mais um ano se passou e, entre altos e baixos, eu continuava achando que tinha feito a escolha certa. O DIU me fazia sangrar muito, às vezes até 8 dias, e dava muita cólica, mas eu sou tolerante demais pra dor e tomava remédios pra aguentar. A TPM era ruim, mas dava pra aguentar também. Tudo, tudo, qualquer coisa por aqueles 4 ou 5 dias de paraíso na terra que eram a minha ovulação. Prestando atenção, acho que eu fazia o trabalho e resolvia as pendência do mês inteiro nesses dias, parando pra trepar e gozar muito entre uma coisa e outra.

Mais recentemente, comecei a notar também o dia exato do drop do estrógeno, esse safadinho. A sensação, pra mim, era a de cair do céu pro inferno em 24h. Eu não tinha mais uns dias de transição. Era da euforia pro desespero e extremo cansaço em 24h. O fato de ter juntado os trapinhos com meu novo namorado também afetou a situação. Antes dele vir pra cá, nos piores dias eu conseguia me esconder, não ter contato com ninguém. Mas morando junto é impossível.

Em agosto do ano passado, mais ou menos na mesma época em que ele veio morar aqui, tive Chikungunya. Fiquei menstruada durante a doença, e um rash/alergia horrível apareceu no meu rosto. Por conta desse rash, os médicos acharam que era Zika, mas fiz a sorologia e deu Chicku mesmo. Pois que. No mês seguinte, menstruei e as cólicas haviam piorado um pouco mais, e o rash reapareceu no meu rosto. Levei uns 2 meses pra entender e confirmar que o rash aparecia sempre na menstruação, e aí fui à dermatologista pra relatar o problema. Duas dermatos me examinaram e não entenderam nada. Uma delas até deu uma pesquisada, pra ver se achava alguma correlação entre a doença e esse rash de fundo aparentemente hormonal. Nada. Só passava com anti histamínico, ou quando a menstruação acabava.

Em dezembro agora, depois de fazer mais uma bateria imensa de exames de rotina, e de ter gabaritado tudo, fui à gineco dizer que estava começando a ficar realmente preocupada com as cólicas intensas e com a TPM descomunal. Disse, e era verdade, que todos os meses durante a TPM eu fantasiava entrar na primeira farmácia e comprar uma caixa de Yasmin, pra acabar com esse sofrimento. Ela riu, disse que eu estava indo tão bem, que tinha me esforçado tanto pra me livrar dos hormônios, e me receitou mais dois fitoterápicos (tooome grana). Eu prometi tentar mais 3 meses e voltar com notícias.

Uma semana depois, caí doente de uma virose horrível. Fiquei menstruada junto com a virose, aquele festival de remédio pra dor e febre, a cara toda vermelha e coçando do rash. Cheguei em Vitória em frangalhos. Minha mãe me levou num clínico geral, que pediu exames de urgência e detectou que eu estava com o fígado inflamado, muito provavelmente por causa da virose e do excesso de remédios pra dor e febre. E essa alergia na cara doutor? “Você provavelmente desenvolveu uma alergia a dipirona”. Pronto, um diagnóstico! Fiquei tão feliz que ia parar de empolar uma vez por mês.

Só que aí ele pediu pra parar com todas as vitaminas e fitoterápicos por pelo menos um mês, pra dar um descanso pro fígado. Ok. Também não malhei, porque estava debilitada e depois queria aproveitar as férias. Melhorei da virose na mesma semana que ovulei, que delícia, a vida podia ser boa de novo. Mas durou bem pouco. Dia 31/12, tudo certo, véspera de ano novo, a nuvem negra retornou. Olhei o app - 10 dias pra ficar menstruada. Eu estava entrando na TPM mais de uma semana antes do dia previsto de início do ciclo. E, dessa vez, sem academia e fitoterápicos, e com o organismo todo fodido da virose, meus amigos, eu surtei. Briguei com todo mundo que tinha pra brigar, tentei me isolar, pedi tantas desculpas que perdi a conta. Pedi ajuda pra minha analista, que foi da mesma opinião que a gineco “desistir agora que você já passou por tanta coisa?”

Mas tem coisas que só a gente sabe mesmo, e eu finalmente tomei coragem de entrar na farmácia e comprar a caixinha de Yasmin. Por mim, pelo meu namoro, pelos meus jobs, pelos meus relacionamentos todos. Mandei mensagem pra gineco perguntando se podia começar a tomar mesmo ainda estando com o DIU de cobre, e ela disse que sim. Que, se desse certo, dentro de uns 2, 3 meses a gente tirava o DIU.

Fiquei menstruada dia 10 de janeiro, dia do eclipse solar. A ironia. Mais conectada com a natureza impossível, e ao mesmo tempo tão desequilibrada, tão triste, tão profundamente triste. Me entristece, acima de tudo, saber que meu corpo é essa máquina natural perfeita, mas que já nos afastamos tanto enquanto espécie da natureza, que pra mim é impossível desfrutá-lo em sua totalidade. Talvez se eu fosse embora da cidade, talvez se eu mudasse completamente, se meditasse todos os dias, se, se, se… até nisso a gente se cobra demais. Só sei que nunca tentei tanto fazer uma coisa dar certo.

Como forma de punição, ou de alerta para o fato de que realmente tinha dado alguma merda desde a Chikungunya, minha menstruação desceu mais forte do que nunca. E meu rosto voltou a ficar inteiro empolado, mesmo eu não tendo tocado mais em dipirona alguma. A cada contração, a cada sensação de que ia desmaiar de tanta dor, eu lembrava das meninas do colégio em quem eu não acreditava. Como a gente muda.

No décimo dia de sangramento ininterrupto, vermelho forte, aberto, nada a ver com escape, mandei mensagem pra gineco: será que já é a pílula? "Não, de jeito nenhum. É normal ter sangramentos mais longos com DIU de cobre, você teve a virose, o organismo tá debilitado fica tranquila”. Impossível ficar tranquila sangrando há mais de 10 dias, se contorcendo de dor. No décimo segundo dia, fui parar na perinatal pra fazer uma ultra de emergência. Me atende uma daquelas médicas de plantão sem a menor paciência, cutuca aqui, cutuca ali. “Não tem nada de errado com você”. Mando e exame pra minha gineco. “Tá vendo, nada de errado!”. Mas e a alergia? E as dores terríveis? E esse sangue que não para de descer? “Calma, vai passar”.

Só que não passou, e eu fui atrás de respostas sozinha. No tal grupo do facebook sobre contracepção não hormonal, 2 relatos de meninas com os exatos mesmos sintomas que eu - rash/urticária todo mês durante o sangramento, cólicas terríveis, hemorragias de vez em quando. Uma delas compartilhava uma pesquisa científica sobre alergia ao cobre. É raro, mas existe e, como qualquer outra alergia, pode aparecer do nada, mesmo que dois dias antes você não tivesse. Contei pra minha gineco, ela fez pouco caso. Dei entrada no pedido pra tirar o DIU. Uma semana de desespero, sentindo aquela merda queimando dentro de mim, enquanto a médica, a secretária da médica e o caralho do plano de saúde me mandavam ter calma.

Como meu DIU estava sem a cordinha, eu precisava fazer uma histeroscopia pra tirar. É um exame de imagem, o mesmo que fazem pra botar, que consiste em enfiar uma cânula com uma câmera na ponta lá no útero, pra ver o que está rolando e poder “pescar” ou soltar o DIU no lugar certo. Anestesia local, aquela fisgada ruim. Doeu mais pra tirar do que pra colocar. Aliás, se essa é a preocupação de alguém, queria dizer que pra mim colocar foi deboas. Fiz no consultório, com anestesia local apenas, e foi desconfortável, mas deboas. Podia ter ido trabalhar depois. Pra algumas meninas é terrível. Não tem muito como saber como vai ser, infelizmente. Sugiro ler muitos relatos e decidir. Colocar com sedação, no centro cirúrgico, é uma opção.

Hoje, 29/01/2019, dia seguinte da retirada, já praticamente não sangro mais. O rash da pele também quase que completamente sumiu. Não sinto nenhuma, eu disse NENHUMA dor. Faltam 3 pílulas pra terminar a primeira cartela de Yasmin e eu me sinto aliviada e equilibrada. Suave na nave. Sei que não vou ter a ovulação dos sonhos, nem a libido dos sonhos, mas é isso - choices, choices.

Não queria que esse texto virasse um testemunho contra essa onda da ginecologia natural, ou contra o DIU de cobre. Eu conheço inúmeras mulheres que são 100% felizes usando DIU de cobre, não usando nada, e/ou vivendo sem hormônios, conectadas com seus ciclos. Dá certo, mesmo. Não deu pra mim. Talvez não tenha dado pra mim agora, mas dê no futuro.

Também não quero conselhos, com o perdão da arrogância. Tudo que você tem pra me receitar ou sugerir, eu já conheço, já tentei e/ou escolhi não tentar agora. Estou bem. Também não me arrependo de nada. Passar por essa experiência foi extremamente importante, fez todo o sentido no arco da minha vida e das minhas buscas, e eu sigo recomendando muito, mesmo, que todas as minas cis parem pra ouvir seus ciclos naturais. Se eu não tivesse passado por tudo isso, não teria tanta certeza, tanta clareza pra entender que, agora, nesta fase da minha vida, melhor pra mim com hormônios.

Escrevi mesmo porque me perguntaram, e porque queria deixar registrada essa pequena grande jornada. Escrevi porque não conheço uma mina que não esteja lidando com essas questões todas de contracepção, e acho importante compartilhar a minha história pra que outras não se sintam sozinhas em suas batalhas.

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